domingo, 21 de abril de 2024

A Morte Clínica da Justiça

por J. R. Guzzo
Entra na cabeça de alguém que um ministro da suprema corte de Justiça de uma sociedade civilizada proíba, com papel assinado e tudo o mais, que um cidadão preso por sua ordem receba uns gibis de palavras cruzadas para se distrair um pouco na cadeia? É um espanto, antes de mais nada, que um ministro do Supremo Tribunal Federal, como acontece neste caso, tenha de decidir um negócio de insignificância tão espetacular. Palavras cruzadas? O que o mundo diria, por exemplo, se um justice da Suprema Corte dos Estados Unidos estivesse se metendo oficialmente com joguinhos de caça-palavra? Mas o que realmente desafia a imaginação humana é a ideia do ministro Alexandre de Moraes, o responsável por mais este ato revolucionário no Direito Penal do Brasil e do mundo, de que proibir o acesso dos presos ao passatempo das palavras cruzadas (e do sudoku; ele vetou também o sudoku) possa ser mais um ato de “defesa da democracia”.
É de fato um fenômeno, mas é o que acaba de acontecer, exatamente, com oficiais do Exército Brasileiro que estão presos por suspeita de terem participado do “golpe de Estado” mais notável da história universal. É este mesmo que você já conhece há tanto tempo: o golpe que não foi dado, nem organizado, nem planejado, e do qual o momento de maior ousadia foi a possibilidade, nunca executada, de pedir ao Congresso a aplicação do estado de defesa previsto no artigo 136 da Constituição Federal, logo após as eleições de 2022. Como é da natureza dos absurdos gerar outros absurdos em série, o absurdo do golpe está gerando os absurdos da punição. Chegamos, agora, à proibição das palavras cruzadas e do sudoku para os “golpistas”. Golpista não tem direitos civis, a começar pelo de defesa. Não tem direito a tratamento médico de urgência e morre no pátio da prisão. Não pode receber anistia. Não pode fazer palavras cruzadas.
O que mais chama a atenção nesse desvario não é propriamente o fato de que os golpistas jamais deram golpe nenhum — num extremo de alucinação, a Polícia Federal chegou a apresentar estilingues e bolas de gude como as armas do “golpe do 8 de janeiro”. (De novo: não há registro na história universal do uso de estilingues para se tomar o governo.) Não é o fato, patentemente ilegal, de estarem sendo julgados no STF. Não é, nem mesmo, o ministro Moraes; é exatamente coisa desse tipo que se pode esperar dele. O que realmente faz o Brasil viver hoje um dos seus piores momentos de vergonha é a postura passiva, talvez cúmplice, dos santuários da sociedade civil, de quase toda a mídia e de toda a elite “que pensa” diante do crescente desequilíbrio mental da nossa “suprema corte”, como diz Lula. O ministro e o STF estão dizendo que a prova dos nove vale menos que a prova dos dez, ou algo assim — e o Brasil de 2024 engole, em silêncio.
Que nexo faz pagar R$ 900 milhões por ano (isso se der tudo certo até dezembro) para sustentar um Supremo Tribunal Federal que dá a si próprio o direito de decidir sobre palavras cruzadas e jogos de sudoku? É isso a “suprema corte” do Brasil? O pior é que é mesmo — ou dá para achar, honestamente, que não é? Não há como acreditar que a proibição de Alexandre de Moraes possa ajudar em alguma coisa a segurança pública do país, a garantia das “instituições” ou a paz dos demais 200 milhões de cidadãos brasileiros. E a “execução do processo penal”, como eles vivem dizendo — será que é preciso vetar gibis para ser garantida? Os oficiais presos poderiam usar as cruzadas para fugir do Brasil, por exemplo, ou asilar-se na Embaixada da Hungria? Serviriam para intimidar testemunhas, ocultar provas ou prejudicar “as investigações” do “golpe”? Não é nada disso, obviamente. O que é, então? É isso mesmo que você está pensando.
O decreto das palavras cruzadas, e outras farinhas do mesmo saco, só é possível em países nos quais a vida pública chegou, como no Brasil de hoje, a um estado de morte clínica em seu senso moral. Aceita-se isso tudo como se aceita um filme de terror, ou os monstros de história de quadrinhos — é só cinema, ou coisa de literatura infanto-juvenil. Mas para quem está sendo condenado a 17 anos de prisão por participar de um quebra-quebra, carrega tornozeleira eletrônica para o resto da vida, ou se vê impedido de ganhar o seu sustento por causa do STF não há nada de inofensivo nessa história. A morte civil é hoje uma realidade para todos os brasileiros que foram declarados inimigos do “Estado democrático” por Alexandre de Moraes — apoiado pela cumplicidade ou pela covardia dos colegas, da imprensa e do arco de impostores que vai da OAB aos militantes de direitos humanos, das classes intelectuais ao sindicato dos bispos.
O STF que proíbe os prisioneiros encarcerados nos seus campos de concentração de fazerem palavras cruzadas é o mesmo que deixou um mendigo preso durante onze meses por “golpe de Estado”. É o mesmo que condenou uma professora aposentada de 71 anos de idade e com graves problemas de saúde a 14 anos de prisão; se não morrer antes, só vai sair de lá aos 85. Não é outro, senão esse, o tribunal supremo que condenou como “golpistas” um barbeiro, um vendedor ambulante e um motoboy — como se fosse possível, materialmente, um barbeiro, um vendedor ambulante ou um motoboy darem um golpe de Estado. Não se fala nunca, por sinal, que não há um único político, nenhuma pessoa que possa ser descrita como influente, ou “importante”, ou portadora de notável saber em alguma coisa entre os presos ou condenados pelo “golpe” do STF, da esquerda e da mídia. Não há vestígio de um rico. É uma singular exibição prática de ódio ao povo brasileiro.
Ficarão registrados como uma época de infâmia para a justiça do Brasil estes dias de chumbo em que cidadãos que jamais cometeram delito algum em sua vida, nem mesmo uma infração de trânsito, são condenados à prisão diretamente no tribunal máximo da República — e, portanto, não podem recorrer de suas sentenças a ninguém. É também a época das prisões preventivas sem prazo para terminar, algo que a lei proíbe como violação fundamental dos direitos da pessoa humana. É a época do crime de estar presente ao local do crime — o “crime multitudinário” do STF e dos seus serventes no Ministério Público. É a época em que se prende um cidadão por viajar com o ex-presidente para os Estados Unidos, quando ele provou que estava viajando para Curitiba, onde, aliás, está até hoje — e na cadeia. É a época em que um deputado que pela Constituição jamais poderia ser preso é condenado e não tem direito à progressão da pena.
Não vai ser nunca esquecido, da mesma forma que o STF transformou a Polícia Federal, com a conivência dos presidentes da Câmara e do Senado, numa Gestapo bananeira que serve como esquadra de repressão política para o ministro Moraes e os seus colegas de plenário. Essa polícia foi dispensada pelo STF de obedecer às leis em vigor no Brasil — da mesma forma que os corruptos, para todos os efeitos de ordem prática, foram dispensados de responder na Justiça pelos crimes de que são acusados. Entra nos gabinetes dos deputados e senadores para vasculhar suas gavetas, computadores e celulares. Intima uns e outros a prestarem depoimento por declarações feitas no exercício de seus mandatos. Criou o “flerte com o crime” — e por causa disso detém por quatro horas um jornalista estrangeiro no Aeroporto de Guarulhos. Na mesma linha de ação, criou a “agressão aparente” de Moraes num bate-boca em outro aeroporto internacional — o de Roma.
Nada disso chegaria a você sem a participação direta do Supremo — que, por sinal, continua tratando o caso de Roma como um possível atentado às instituições democráticas. Os vídeos do aeroporto não mostram agressão nenhuma. A própria PF diz que não dá para provar nada; até agora, ficou só no “aparente”. O delito, se um dia fosse provado, seria no máximo de injúria, coisa para juízo de pequenas causas, e olhe lá. Jamais poderia ser investigado pela PF; nenhuma polícia, aliás, investiga suspeita de injúria. Jamais, enfim, poderia estar no STF, e sim numa vara de primeira instância. E se amanhã baterem a carteira do ministro — o caso vai para o “Excelso Pretório”, como eles chamam a si mesmos? Será uma ameaça à democracia? O presidente Lula vai dizer que o acusado é um “animal selvagem”, como já fez? O fato é que essa novela vai completar um ano, o agressor aparente não foi denunciado por nada e o caso continua em aberto no STF.
A realização mais recente do braço policial do STF é a intimação para o cidadão brasileiro Alexandre Kuntz, que vive há dez anos na Inglaterra, depor numa delegacia da PF, “no dia 2 de abril”. Qual é a acusação? Como no caso do Josef K. em O Processo, de Kafka, que vê a polícia bater na sua porta e nunca fica sabendo do que foi acusado, Kuntz não foi informado do crime que teria cometido. Para a sua sorte, ao contrário de Josef K., ele está em segurança na Inglaterra — e fora do alcance do STF. Mas não pode vir ao Brasil, pois há um processo “sigiloso” contra ele, tão sigiloso que nem ele pode saber do que está sendo acusado. Imagine-se, então, quanto ele pode contar com qualquer tipo de proteção legal. O que Kuntz lembra é que em 2022 ele, junto com outros militantes brasileiros de direita na Inglaterra, foi a uma palestra do atual presidente do STF, o ministro Luís Roberto Barroso, na Universidade de Oxford.
Na ocasião, Barroso disse que a democracia no Brasil estava ameaçada por propostas de “contagem manual” dos votos na eleição daquele ano. Uma brasileira que estava ao lado de Kuntz disse que isso era uma mentira — e é mesmo, porque nunca ninguém propôs nada de parecido, em momento nenhum da campanha. O que se pedia era a possibilidade de auditar os votos, o que não tem nada a ver com “contagem manual” de coisa nenhuma. Barroso ouviu, tentou ignorar a observação e não contestou o que todos tinham escutado. Mas eis que hoje, dois anos depois, a PF faz uma intimação por e-mail para Kuntz vir depor; seu crime, pelo que se pode deduzir, é ter estado perto de alguém que contestou em público uma afirmação falsa de um ministro do STF. O rapaz não vai ser assassinado numa pedreira pela polícia, como o infeliz herói de O Processo. Mas o seu caso mostra o tamanho do buraco em que jogaram este país.
Processo secreto, inquérito perpétuo, palavras cruzadas que ameaçam o “Estado de Direito” — é a defesa da democracia no Brasil de 2024.

quarta-feira, 3 de abril de 2024

O Desgaste Militar

por Rodrigo Constantino 
Já escrevi textos sobre o contexto de 1964, mostrando que havia o clima da Guerra Fria, que os verdadeiros golpistas eram os comunistas, treinados em Cuba e financiados por Moscou. O próprio Fernando Gabeira já admitiu que a esquerda não lutava por democracia alguma naquela época, e alguns confessavam que o “golpe” viria de um dos dois lados.
Imagem da Internet
Os nossos militares impediram o golpe comunista, eis a realidade que a Globo tenta apagar hoje, mas que seu fundador Roberto Marinho conhecia bem na ocasião.
É sumamente melancólico — porém não irrealista — admitir-se que no albor dos anos 60 este grande país não tinha senão duas miseráveis opções: ‘anos de chumbo’ ou ‘rios de sangue’, disse Roberto Campos. A chamada “crise da legalidade” foi deflagrada com a renúncia de Jânio Quadros, quando os ministros da Guerra, da Marinha e da Aeronáutica não aceitaram a posse do vice-presidente João Goulart, herdeiro político do ditador populista Getúlio Vargas e acusado de ligações com os comunistas. O país estava em sério risco de viver uma guerra civil.
Diante da estação da Central do Brasil, mais de cem mil manifestantes gritavam por mudanças, com faixas como “Reconhecimento da China Popular”, “PCB – Teus Direitos São Sagrados”, “Abaixo com as Companhias Estrangeiras”, “Trabalhadores Querem Armas para Defender o Seu Governo” e “Jango – Defenderemos as Reformas a Bala”. A classe média teve uma reação em cadeia contra essa radicalização estimulada pelo próprio governo.
Leonel Brizola, cunhado de Jango, defendeu a substituição do Congresso por uma Constituinte repleta de trabalhadores camponeses, sargentos e oficiais nacionalistas. Goulart assinou um decreto, em 1964, desapropriando todas as terras num raio de dez quilômetros dos eixos das rodovias e ferrovias federais para sua reforma agrária, assim como encampou as refinarias de petróleo privadas, em outro decreto. Foi anunciado o tabelamento dos aluguéis.
O governo estava em crise, apelando para a intimidação, enquanto a economia afundava. A inflação fora de 50% em 1962 para 75% no ano seguinte. Os primeiros meses de 1964 projetavam uma taxa anual de 140%, a maior do século. A economia registrava uma contração na renda per capita pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial. As greves duplicaram entre 1962 e 1963. O governo irresponsável acumulara um déficit equivalente a mais de um terço do total das despesas. Jango nomeou o almirante Paulo Mário da Cunha Rodrigues, próximo ao Partido Comunista.
O Congresso mostrava-se disposto a bloquear os projetos de reforma. Luiz Carlos Prestes, ligado ao Partido Comunista, chegou a defender a dissolução do Congresso. Um golpe, de um dos lados, parecia iminente e inevitável. Tancredo chegou a prever que os passos de Jango levariam a uma luta armada. O governador pernambucano esquerdista, Miguel Arraes, declarou estar certo de um golpe, “de lá ou de cá”. Brizola repetia que “se não dermos o golpe, eles o darão contra nós”. Jango, na China, discursava sobre o socialismo no Brasil. A famosa Revolta dos Marinheiros foi como uma gota no copo d’água lotado. Ocorreu uma quebra de hierarquia militar. O cabo Anselmo liderou a revolta, que resultou na demissão do ministro da Marinha, almirante Sílvio Mota, por tentar reprimi-lo.
Era tempo de Guerra Fria, o eixo da luta entre capitalistas e comunistas tinha se deslocado para a América Central, e os ditadores da União Soviética estavam investindo pesado no continente, enviando bilhões de dólares e agentes da KGB para diversos países. Em 1962 ocorreu a crise dos mísseis nucleares, que os russos instalaram clandestinamente no território cubano. Quase foi deflagrada uma guerra nuclear pela tentativa de avanço imperialista dos soviéticos comunistas.
O perigo do comunismo era real para todos os países, incluindo o Brasil. Diversas nações caíram nas garras comunistas nesse período, entrando em ditaduras duradouras e caóticas, enquanto outras acabaram partindo para regimes autoritários de direita, tentando travar os avanços comunistas. E era esse regime, responsável pela morte de cerca de cem milhões de pessoas no mundo todo, que as “vítimas” da ditadura queriam implantar no Brasil à força.
Eis o contexto do “golpe” de 1964 pelos militares, que, na verdade, foi mais um contragolpe. O general Humberto de Alencar Castello Branco era chefe do Estado-Maior do Exército, e fora um respeitado chefe da seção de operações da Força Expedicionária Brasileira. Não cabe, aqui, analisar o regime militar como um todo, que teve vários acertos e inúmeros erros. Tampouco é foco deste artigo um julgamento das duas décadas de positivismo sob os militares, ou se a redemocratização levou tempo demais. Roberto Campos reconheceu que “o erro dos militares foi não terem feito a abertura econômica antes da política; o erro dos civis foi, depois da abertura política, praticarem uma fechadura econômica”.
O intuito do texto é fornecer ao leitor o clima de 1964, para demonstrar que não houve um golpe do nada por parte de militares ambiciosos e sedentos pelo poder, mas sim uma reação ao avanço comunista. Após a reação dos militares, com forte apoio popular na época, que culminou no “golpe” de 64, os comunistas intensificaram alguns ataques. Como os primeiros anos não foram na “linha dura”, os radicais de esquerda perpetraram ações que incluíram assassinatos e sequestros, como o do embaixador americano, o que acabou provocando o agravamento brutal da repressão, que chegou a partir do Ato Institucional nº 5.
Antes da assinatura do AI-5, já estavam no currículo desses terroristas o assassinato de pessoas como o Major do Exército da então Alemanha Ocidental, Edward Von Westernhagen, no primeiro dia de julho de 1968, e do Capitão do Exército norte-americano Charles Rodney Chandler, em São Paulo, no dia 12 de outubro de 1968.
Um dos grupos que defendia essa guinada violenta era o Agrupamento Revolucionário de São Paulo, inspirada em Carlos Marighela, que havia redigido o “Manual do Guerrilheiro Urbano”. Em 21 de junho de 1968, na chamada “Sexta-feira Sangrenta”, ocorreu um confronto ininterrupto que resultaria em centenas de feridos, 23 pessoas baleadas e quatro mortos, incluindo um soldado da PM atingido por um tijolo. Tentaram arrombar também as portas da agência do Citibank, símbolo do “imperialismo ianque”, e jogaram vários coquetéis Molotov na sede do jornal O Estado de São Paulo. O AI-5 foi assinado apenas em 13 de dezembro de 1968, como resposta aos crimes bárbaros cometidos pelos comunistas.
Roberto Campos concluiu: “Comparados ao carniceiro profissional do Caribe, os militares brasileiros parecem escoteiros destreinados apartando um conflito de subúrbio”. Não obstante, a esquerda teve o caminho da cultura livre para ser totalmente aparelhado, e os pupilos de Fidel Castro assumiram um papel quase hegemônico nessa área. Dominando a academia, a cultura pop e a imprensa, a esquerda derrotada no campo político venceu no campo cultural. E conseguiu bancar a vítima, demonizar os militares e posar de democrata, enquanto defendia o comunismo assassino.
Aceleramos décadas no tempo e chegamos, então, à vitória de Lula em 2002, na quarta tentativa e com a embalagem criada por Duda Mendonça. O Lulinha Paz e Amor ludibriou parte da elite, enquanto seu braço-direito, José Dirceu, treinado em Cuba com o codinome Daniel, agia nos bastidores. O mensalão e o petrolão foram os maiores esquemas de corrupção já criados no país, com o claro intuito de alimentar um projeto totalitário de poder do PT. A coisa desandou quando a economia degringolou de vez e Dilma sofreu impeachment.
Lula acabou preso, mas os comunistas não desistem facilmente. Dirceu cantou a pedra: “Vamos tomar o poder, o que é diferente de ganhar eleições”. Quando alguém como Bolsonaro se tornou presidente, o sistema podre e carcomido entrou em pânico, e o petismo viu aí sua oportunidade. Numa aliança instável e oportunista, tucanos globalistas e petistas comunistas se uniram para eliminar a direita democrática. O aparelhamento de instituições, em especial o STF, foi crucial para o plano. Resumo a história pois ela é recente, e confio na memória do leitor.
Com malabarismos supremos, Lula foi solto e ficou elegível, enquanto Bolsonaro foi perseguido de forma implacável. Dirceu e sua gangue aprenderam lições importantes com o fracasso anterior: a velha imprensa precisava ser comprada, e as Forças Armadas deveriam ser domesticadas. No caso da mídia foi mais fácil: há muita pena de aluguel nas redações, além de simpatia natural pelo esquerdismo após décadas de doutrinação ideológica nas faculdades. Já com os militares o buraco é mais embaixo...
Os patriotas sérios deveriam ser caçados, e como muitos estavam ao lado de Bolsonaro, o pretexto era óbvio: são todos golpistas! General Heleno, Mauro Cid e até Villas Boas acabaram sendo alvos de ações do sistema e da imprensa para neutralizá-los. Por outro lado, uma cúpula de “generais melancias” — verdes por fora, vermelhos por dentro — foi cooptada em troca de cargos e poder. A base, certamente patriota, observa a tudo com uma mistura de revolta e decepção.
O desgaste militar faz parte da estratégia de Dirceu. O povo, que apostou suas fichas novamente nas Forças Armadas para conter o golpismo comunista, ficou a ver navios — ou pior, uma parcela acabou presa de forma arbitrária pelo ministro Alexandre de Moraes, pelos “atos antidemocráticos”. Nas redes sociais, muitos agora tiram sarro dos militares, vingam-se com “memes” alegando que nossos militares só servem para pintar asfalto ou prestar continência para ditador comunista como Maduro. Mas sem os militares, quem pode impedir o projeto comunista?
É preciso, então, tirar o chapéu para o brilhantismo de Dirceu. Os comunistas tiveram de esperar décadas, mas parece que dessa vez deu certo para eles. Os militares estão desacreditados perante a sociedade, os que ousaram resistir foram perseguidos ou até presos, e o caminho parece livre para o golpe fatal dos comunistas. O que teria acontecido no Brasil se os militares não tivessem agido em 1964? Nunca é possível saber com certeza, mas acredito que agora teremos uma ideia. E não é um futuro animador para quem preza a liberdade, a democracia verdadeira e a vida humana.
Fonte: recebido por mensagem eletrônica

sábado, 30 de março de 2024

31 de Março de 1964 — Para Não Esquecer!

MANIFESTO DO GENERAL OLYMPIO MOURÃO, DEFLAGRADOR DO GOLPE MILITAR, EM 31 DE MARÇO DE 1964
À Nação e às Forças Armadas:
Faz mais de dois anos que os inimigos da Ordem e da Democracia, escudados na impunidade que lhes assegura o Senhor Chefe do Poder Executivo, vêm desrespeitando as instituições, enxovalhando as Forças Armadas, diluindo nas autoridades públicas o respeito que lhes é devido em qualquer nação civilizada, e, ainda, lançando o povo em áspero e terrível clima de medo e desespero.
Organizações espúrias de sindicalismo político, manobradas por inimigos do Brasil, confessadamente comunistas, tanto mais audaciosos quanto estimulados pelo Senhor Presidente da República, procuram infundir em todos os espíritos a certeza de que falam em nome de um Estado estrangeiro, a cujos interesses imperialistas estão servindo em criminosa atividade subversiva, para traírem a Pátria Brasileira, tão generosa e cavalheiresca.
E o atual governo, a cujos projetos que negam a soberania do Brasil vêm servindo essas organizações, dá-lhes até mesmo a faculdade de nomear e demitir ministros, generais e altos funcionários, objetivando, assim, por conhecido processo, a desfazer as instituições democráticas e instituir, aberrantemente, o totalitarismo
 que nega a Federação, a República, a Ordem Jurídica e até mesmo o progresso social.
Tentaram revoltar o disciplinado e patriótico “Círculo de Sargentos”, e, recentemente, essas organizações e esse governo tudo fizeram para desmoralizar e humilhar a Marinha de Guerra do Brasil, na mais debochada e despudorada ofensa à sua disciplina e hierarquia, que nela devem predominar.
O povo, governos Estaduais e Forças Armadas, animados de fervoroso sentimento patriótico, repelem esse processo caprichosamente executado pelo Senhor Presidente da República, o qual, divorciado dos preceitos constitucionais, negando solene juramento, pretende transformar o Brasil, de Nação soberana que é, a um ajuntamento de sub-homens, que se submetem a seus planos ditatoriais.
Na certeza de que o Chefe do governo está a executar uma das etapas do processo de aniquilamento das liberdades cívicas, as Forças Armadas, e, em nome delas, o seu mais humilde soldado, o que subscreve este manifesto, não podem silenciar, diante de tal crime, sob pena de com ele se tornarem coniventes.
Eis o motivo pelo qual conclamamos todos os brasileiros e militares esclarecidos para que, unidos conosco, venham ajudar-nos a restaurar, no Brasil, o domínio da Constituição e o predomínio da boa-fé no seu cumprimento.
O Senhor Presidente da República, que ostensivamente se nega a cumprir seus deveres constitucionais, tornando-se, ele mesmo, chefe de governo comunista, não merece ser havido como guardião da Lei Magna, e, portanto, há de ser afastado do Poder de que abusa, para, de acordo com a Lei, operar-se a sua sucessão, mantida a Ordem Jurídica.
Juiz de Fora, 31 de março de 1964.
Assinado por mim Olympio Mourão Filho,
 General-de-Divisão, 
Comandante da 4ª Região Militar a da 4ª Divisão de Infantaria.
In: — MOURÃO, Laurita.  Mourão: o general do pijama vermelho. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2002
Fonte:  Blog do Prévidi - 31/03/2011
COMENTO:  esse foi o espírito que moveu o movimento contra-revolucionário de 1964. Infelizmente, diferentemente de 1935, a canalha não aceitou a derrota de sua nova tentativa de tornar o Brasil no maior satélite da então URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) e partiu para a "luta armada" impedindo que a sucessão dentro da Ordem Jurídica se concretizasse. O resultado foi um período de 21 anos de governo sob o comando militar, com alguns erros e muitos acertos. A quem não concorde é só indagar: o que foi feito nos últimos 39 anos em prol do País?  O que foi feito das estradas, escolas, hospitais, MOBRAL, e grandes construções (Itaipu, Ponte Rio-Niterói, ...) que possibilitaram "pleno emprego à população? Tudo sucateado ou desmontado por ser "entulho autoritário"!! Os governos militares fizeram milagres ou coisas excepcionais? Não! Cumpriram o que deve ser obrigação de qualquer governo.  E nos últimos 39 anos? Por que não foi dada continuidade ao trabalho iniciado? Pense nisso!!  Esta é a Democracia que a sociedade quer e precisa?

quinta-feira, 21 de março de 2024

Estados Unidos Anunciam que Israel Matou o nº 3 do Hamas

por Laura Ruiz Sancho
Estados Unidos afirmaram que o líder do Hamas, Marwan Issa, foi morto numa ofensiva israelita.
O Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, confirmou que forças israelenses mataram Marwan Issa, o vice-comandante da ala militar do Hamas em Gaza e um dos mentores dos ataques de 7 de outubro. O presidente dos Estados Unidos afirmou que Israel tem o direito de perseguir o Hamas, os autores do pior massacre do povo judeu desde o Holocausto, disse Sullivan. Da mesma forma, indicou que Biden indicou repetidamente que a continuação das operações militares deve estar ligada a um fim estratégico claro, razão pela qual ele precisava de uma estratégia coerente e sustentável para que isso acontecesse. No entanto, o conselheiro dos EUA alertou que um plano militar não pode ter sucesso sem um plano humanitário integrado e um plano político.
Nem o Hamas nem Israel comentaram oficialmente estes relatórios. Embora, em 11 de março, o Contra-Almirante israelense Daniel Hagari tenha afirmado que aviões militares israelenses haviam atacado Issa e outro alto funcionário do Hamas em um complexo subterrâneo no centro de Gaza.
Segundo o jornal britânico The Guardian, todos os sistemas de comunicação entre os líderes do Hamas ficaram em silêncio por mais de 72 horas após o ataque, como já aconteceu em diversas ocasiões em que altos líderes do Hamas foram mortos.
A mídia israelense informou que Issa foi morto em um ataque a um complexo de túneis sob o campo de refugiados de Nuseirat, no centro de Gaza. O Chefe do Estado-Maior das Forças de Defesa de Israel, Hervi Halevi, informou que uma operação das FDI (Forças de Defesa de Israel) em conjunto com o Shin Bet permitiu a eliminação de altos funcionários clandestinos. Da mesma forma, o Conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, sustentou que o resto dos altos funcionários do Hamas estão escondidos na profunda rede de túneis do Hamas.
As declarações do conselheiro de Segurança Nacional dos EUA surgiram depois do presidente dos EUA, Joe Biden, ter conversado por telefone com o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, pela primeira vez em mais de um mês. Nessa conversa discutiram a crise humanitária na Faixa de Gaza e uma possível operação israelense na cidade de Ráfah, que Washington considera um “erro”.
Especialistas disseram que o ataque a Issa sugere que Israel está obtendo informações de uma fonte importante da organização. "Israel precisaria saber onde e quando Issa estava escondido, e que ele permaneceria lá o tempo necessário  para que o gabinete aprovasse e [o exército israelense] lançasse a operação, necessitando, ainda confirmar que não havia prisioneiros israelenses detidos nas proximidades", disse Avi Melamed, ex-funcionário da inteligência israelense e analista regional.
Marwan Issa, que tinha 58 ou 59 anos no momento da sua morte, servia desde 2012 como substituto de Mohammed Deif, o líder das Brigadas Ezedin al-Kasem, o braço militar do Hamas. Issa serviu, ainda, no Conselho Militar do Hamas e no seu gabinete político em Gaza, supervisionado por Yahya Sinwar, o oficial de mais alta patente do grupo no enclave.
Fonte: tradução livre do Boletim LISA News

terça-feira, 5 de março de 2024

A Historia do Narcoterrorismo, da Guerra do Ópio aos Grupos Jihadistas

O narcoterrorismo representa um dos principais desafios para a segurança global e, desde o século XIX, impacta de diferentes formas e proporções em todos os países e regiões do mundo. Neste artigo, o professor do Curso de Experto en Análisis e Investigación de Narcoterrorismo de LISA (Learning Institute of Security Advisors), Raúl González, explica como o narcoterrorismo se desenvolve como uma estrategia híbrida oferecendo exemplos concretos desde as guerras do opio, passando pelas FARC e ETA na década dos sessenta, até como hoje os grupos Hezbolah, ISIS e Hamas tem fortes conexões com grupos delitivos narcotraficantes em toda América Latina.
Narcoterrorismo: uma ameaça permanente
O narcoterrorismo representa um dos principais desafios para a segurança global, pois tem a capacidade de impactar todos os países e regiões do mundo de diferentes formas e proporções, além das consequências que são geradas nos territórios em que essas ações ocorrem.
O narcoterrorismo é considerado uma estratégia de guerra híbrida em que, tanto a violência como a corrupção são utilizadas para atingir um ou mais objetivos. Estes objetivos incluem o controle territorial, o financiamento de atividades terroristas, a desestabilização e a subversão do Estado de direito.
A ligação entre os flagelos do tráfico ilícito de drogas e do terrorismo teve um impacto significativo na comunidade internacional. Esta relação baseia-se na simbiose entre organizações terroristas e grupos criminosos organizados envolvidos no tráfico de droga. As primeiras se beneficiam de enormes recursos provenientes do tráfico ilícito de drogas para financiar as suas atividades e ampliar a sua influência. No caso dos traficantes de droga, estes aproveitam-se da violência e da corrupção para manter o seu poder e expandir-se.
As implicações deste fenômeno são extremamente graves para a segurança internacional. Todas as suas ações têm o potencial de gerar instabilidade política, social e econômica. Pode também transcender os territórios diretamente afetados pela violência gerada, com consequências que vão além da própria ação criminosa.
O seu impacto é tão amplo que os seus efeitos podem mesmo acabar por afetar gravemente as relações diplomáticas entre os países. São capazes de gerar lacunas nas economias em diferentes escalas, causando ou agravando problemas sociais de vários tipos e tornando-se uma fonte inesgotável de violência e corrupção.
Adicionalmente, baseado na tríade do poder econômico dos lucros ilícitos do tráfico de drogas, do impacto das ações terroristas e do tráfico de armas que se combinam com outras ações criminosas organizadas, o narcoterrorismo também promove conflitos de diversas dimensões e é capaz de prolongá-los por longos períodos.
Embora esteja presente na agenda internacional há décadas, a multiplicidade de fatores e variáveis ​​envolvidas (políticas, sociais, culturais e econômicas) têm forte impacto na forma como governos, instituições, organizações internacionais e a sociedade em geral percebem e enfrentam esse problema. Por esta razão, não foi possível desenvolver uma definição de narcoterrorismo que seja globalmente aceita e para a qual se gere uma dinâmica de mudança a uma velocidade muito elevada, no que diz respeito ao seu reconhecimento e tratamento.

¿Qual é a origem do narcoterrorismo?
As origens do narcoterrorismo são incertas. No entanto, apesar das diferenças em relação às guerras do ópio, poderíamos considerá-las como as suas precursoras. Acima de tudo, com base na análise crítica das suas causas, consequências, impacto e elementos característicos.
Ressaltamos, em primeiro lugar, que ambos destacam a complexidade da abordagem deste tipo de conflito. São situações em que convergem a relação entre as drogas e o seu impacto nas dinâmicas políticas, sociais e econômicas. Portanto, acabam afetando gravemente a estabilidade interna dos países e as relações internacionais.
As Guerras do Ópio ocorreram durante o século XIX (entre 1839 e 1860) e tiveram como principais protagonistas a China e o Reino Unido. A introdução de enormes quantidades de ópio (mesmo contrabandeado) na China permitiu ao Reino Unido reduzir o déficit fiscal. Déficit que ocorreu devido à grande demanda por produtos chineses (chá, seda e porcelana), além de gerar recursos para financiar a guerra com a Índia. Por outro lado, o consumo excessivo de ópio pela população foi um fator desestabilizador interno que contribuiu para o enfraquecimento da dinastia chinesa.
Estas guerras tiveram implicações importantes para a geopolítica internacional, afetando em primeira instância as relações entre a Europa e a Ásia. Os efeitos da comercialização do ópio (lícita e ilícita) geraram posteriormente as bases para a implementação do sistema internacional de controle de drogas que é aplicado em todo o mundo. Por outro lado, o narcoterrorismo inclui uma ampla e variada gama de ações criminosas, que têm vindo a desenvolver-se e a evoluir de acordo com as mudanças impostas ao espectro internacional pela Primeira e Segunda Guerras Mundiais.
É assim que vários relatórios oficiais afirmam que, desde meados da década de 1950 do século XX, estratégias não convencionais foram utilizadas pela China e pela União Soviética contra os países ocidentais, que incorporaram o tráfico de drogas como forma de guerra química e fonte de financiamento para movimentos subversivos.

Expansão internacional do narcoterrorismo: das FARC na Colômbia ao ETA na Espanha
A partir da década de 1960, grupos guerrilheiros e subversivos na América Latina começaram a financiar as suas atividades através do narcoterrorismo. Assim, envolveram-se e estabeleceram relações com organizações criminosas dedicadas ao tráfico ilícito de drogas. Estas proporcionaram-lhes proteção em troca de recursos que lhes permitiram avançar nos seus objetivos.
Na década de 1970, as organizações de tráfico de drogas começaram a estabelecer redes internacionais de tráfico de drogas, principalmente de cocaína, para os Estados Unidos e a Europa. Dessa forma, na década de 1980, os grupos guerrilheiros se fortaleceram e se expandiram. Alguns dos exemplos mais notáveis ​​são as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) na Colômbia e o Sendero Luminoso no Peru. Ambas as organizações utilizaram os rendimentos do tráfico de droga para financiar as suas atividades terroristas. Entre eles, destacam-se sequestros, assassinatos, extorsões e outros atos violentos para promover os seus objetivos políticos e econômicos.
Paralelamente, o narcoterrorismo espalhou-se para além da América Latina. Na Europa, os grupos mafiosos usaram a violência e estratégias terroristas para proteger as suas operações de tráfico de drogas. Com isso, buscaram extorquir empresas locais e pressionar os operadores do sistema judiciário.
Na Espanha, organizações como a Euskadi Ta Askatasuna (ETA) tinham a extorsão e outros meios ilegais como principais fontes de financiamento. Além disso, recebiam dinheiro dos narcotraficantes galegos para financiar as suas atividades em troca de proteção e apoio na introdução de grandes quantidades de drogas na zona norte do país ibérico.
Além disso, está amplamente documentado que o ETA assessorou Pablo Escobar, Capo do Cartel de Medellín, na execução de táticas terroristas contra a Colômbia. Tudo isto, no âmbito da luta contra a extradição de traficantes de droga para os Estados Unidos da América. Além disso, ele teve uma ligação comprovada durante muitos anos com a organização narcoterrorista colombiana FARC.

Conexões do narcotráfico com os grupos jihadistas
À medida que as organizações de tráfico de drogas e os grupos guerrilheiros se tornaram mais poderosos e sofisticados, a sua capacidade de influenciar a política e a economia dos seus países de origem também cresceu. Muitos políticos e funcionários públicos foram subornados ou ameaçados por estes grupos, e a corrupção espalhou-se por vários níveis do governo e da sociedade.
A partir de 1990, o narcoterrorismo expandiu-se através da ligação entre organizações terroristas islâmicas e grupos criminosos dedicados ao tráfico de drogas. O Talibã no Afeganistão, por exemplo, envolveu-se no tráfico de ópio para financiar as suas atividades terroristas. Desde os ataques de 11 de Setembro de 2001, estas ligações intensificaram-se. Com isto, outras organizações terroristas como a Al Qaeda (ligada ao Talibã) ou o Estado Islâmico (ISIS), entre outras, apareceram na cena pública.
Atualmente, vários grupos terroristas, incluindo o Hezbollah, o ISIS e o Hamas, têm fortes ligações com grupos criminosos de tráfico de drogas em toda a América Latina. Participam diretamente em atividades ilícitas de tráfico de droga, recebem financiamento para aconselhar traficantes de droga sobre táticas terroristas e trabalham em conjunto noutras atividades ilegais, como a mineração e a exploração de recursos naturais.
Para ilustrar esta última afirmação, vamos nos referir ao caso específico do Hamas. Alguns especialistas afirmam que ele tem ligações comprovadas com o Cartel de Sinaloa, no qual ambas as organizações se beneficiam. O Hamas teria assessorado o Cartel de Sinaloa na construção de túneis na fronteira com os Estados Unidos (de estrutura semelhante aos construídos pelo Hamas para superar as barreiras com Israel em Gaza).
Além disso, o Hamas oferece proteção aos carregamentos de metanfetaminas que atravessam ou têm como destino o Oriente Médio para este Cartel Mexicano, de quem recebe dinheiro do tráfico de drogas para se sustentar e também para financiar ataques terroristas e conflitos como o que ocorre atualmente. na faixa de Gaza.

Outros casos de narcoterrorismo em âmbito internacional
A máfia italiana ainda desempenha um papel no tráfico de drogas na Europa e tem sido acusada de ter ligações com organizações criminosas na América Latina. Mesmo assim, o uso da violência diminuiu (embora continue a ser um vetor de exercício de influência), sendo em grande parte substituído pela dissuasão através da corrupção e da participação na esfera política.
Na América Latina, organizações criminosas dedicadas ao tráfico ilícito de drogas de diversas origens, porte e abrangência; continuam a utilizar táticas terroristas que geram migrações forçadas, desaparecimentos e homicídios. Um exemplo foi o assassinato de um candidato presidencial no Equador ou o de um promotor antidrogas no Paraguai. Os homicídios são comparáveis ​​às ações violentas do passado que chamaram a atenção mundial, como os notórios casos de assassinatos de candidatos presidenciais, ministros e diretores de imprensa na Colômbia, bem como de magistrados na Itália.
As acusações das autoridades dos Estados Unidos da América à China e ao México, de serem os grandes responsáveis ​​pelos problemas que afetam a sua população em diversas cidades devido ao abuso do consumo de fentanil, acusando-os de usarem isso como estratégia para desestabilizar o sistema interno ordem e saúde naquele país; têm também grandes semelhanças com os acontecimentos que levaram às guerras do ópio e que envolveram a China, o Reino Unido e a Índia.
Estas são demonstrações confiáveis ​​das dimensões e do impacto que o narcoterrorismo tem na segurança global, bem como nas relações internacionais, na saúde pública e no comportamento dos mercados econômicos e financeiros. Também destaca o perigo implícito na ação silenciosa mas continuada deste fenômeno.
Fonte: tradução livre do Boletim LISA News
(Learning Institute of Security Advisors)

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

Via Dolorosa

por Alexandre Garcia
Segunda-feira reabre o Congresso. Ao arrepio da Constituição, que manda reabrir a 2 de fevereiro. Mas quem se importa hoje com a Constituição? Não custa lembrar Thomas Sowell: A Constituição não pode nos proteger se não protegemos a Constituição. Enfim, é um risco que todos corremos, com nossos direitos. No dia 5 reabre o Congresso e o presidente da República vai ver que o duro janeiro vai ser o melhor dos meses deste 2024.
De cara, a Frente Parlamentar Evangélica espera, revoltada, por mais um atrito que o governo criou sem precisar. A despeito do que diz o art. 150 da Constituição, a Receita fez uma interpretação para cobrar imposto dos evangélicos.
Cerca de 300 milhões de reais. Mais uma frente a se unir à bancada do agro e das armas, contra decisões que só afastam o governo dos votos de que precisa no Congresso. Esse ambiente favorece a emenda negociada por Campos Neto, para consolidar a autonomia do Banco Central — o governo quer o Banco Central pendurado na fiscalização do Conselho Monetário.
Janeiro foi cheio de revezes para o governo, embora a propaganda oficial se esforce para mostrar o contrário. O mês começou com o Diário Oficial mostrando a lei do marco temporal, em que 374 derrubaram os vetos do presidente. Se o governo entrar no Supremo, o desgaste vai continuar, e não apenas com a imensa bancada do Agro.
O 8 de janeiro, que era para ser uma festa da Democracia Inabalável, teve as significativas ausências do presidente da Câmara e de 15 governadores.
Dois dias depois, por vontade de Lula, o Brasil aderiu à denúncia de genocídio contra Israel.
O Tribunal Internacional não aceitou e ainda sugeriu que o Hamas deva libertar os reféns. Depois, o New York Times mostrou que funcionários da Agência da ONU em Gaza participaram do massacre de israelenses. O governo do Brasil fica com cara de quem apoia terrorista.
No dia 18, em Pernambuco, Lula reavivou a Refinaria Abreu e Lima, cujo preço se multiplicou várias vezes. O presidente acusou o Departamento de Justiça dos Estados Unidos de prejudicar a Petrobras, provocando mais um atrito.
Anunciou que o Brasil vai tocar a obra mesmo sem o aporte enganoso de Chavez. A isso somou-se à perplexidade do mercado quando o BNDEs anunciou 300 bilhões de reais para ajudar o setor industrial, soando como o velho protecionismo, e derrubou a Bolsa.
Além disso, com a promessa de facilitar licenças ambientais para a Vale, o governo tentou impor Guido Mantega como CEO da Vale, empresa privatizada há 27 anos. O mercado levou um susto e as ações despencaram. O governo não entende que o Previ, com 8,6% das ações da Vale, é dos funcionários do Banco do Brasil, e não do Tesouro.
E antes que janeiro terminasse, saíram os números do Tesouro, com um rombo de 230 bilhões de reais em 2023. A receita subiu 2,12% e os gastos 12,55%. A medida provisória que tenta revogar a decisão de 438 congressistas sobre a prorrogação da desoneração da folha é outro símbolo das fricções que o governo tem provocado.
O Congresso reabre e não vai aceitar a MP. Neste reinício ainda vai vir a reação de deputados e senadores ao veto a mais da metade dos ONZE BILHÕES de reais de emendas, no orçamento deste ano. Emendas já anunciadas pelos autores a seus prefeitos e suas bases.
Não deve ser uma reação branda, mas fisiológica e dura como uma pedra. A via dolorosa de Lula vem sendo pavimentada pelo próprio presidente, não com as pedras da oposição.
Alexandre Garcia é jornalista

terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Rede Goebbels de Narrativas

por Percival Puggina
Lendo sobre Goebbels, lembrei-me da conversa pública entre Lula e Nicolás Maduro. Provavelmente, Hitler também recomendava a Goebbels que construísse uma boa narrativa e garantia a seus generais que ela seria melhor do que a narrativa dos que falavam mal dele — ingleses, norte-americanos e demais Aliados. Isto, porém, é mera especulação minha.
Através do trabalho de Goebbels, o Führer influenciou a estética e as expressões artísticas durante o Terceiro Reich, cobrando delas resultado político, ideológico e de afirmação da superioridade ariana. Joseph Goebbels sabia a importância dos meios culturais para a política e os usou para que a sociedade alemã refletisse a doutrina do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães. Impôs seu projeto ao cinema, ao teatro, à música, às artes plásticas, à arquitetura e à literatura. Com uma das mãos, criou a Casa de Arte Alemã e promoveu a exibição Grande Arte Alemã; com a outra, queimou milhares de obras ditas “degeneradas” porque não cumpriam o dever de espelhar e proclamar a superioridade biológica do mesmo povo que levavam para o abismo da guerra.
É curioso que, apesar da multiplicidade das competências de Goebbels em várias áreas de conhecimento, sua fama reverbere apenas o sujeito que falou sobre a eficácia da mentira contada mil vezes. Merecido epitáfio! De fato, a mentira foi eixo de sua sinistra existência, em cujos atos finais matou a mulher, os seis filhos e a si mesmo.
Enquanto ele se dedicava a tratorar culturalmente a Alemanha de seu tempo (1933 a 1945) para a colheita de Hitler, um grupo de marxistas judeus alemães criava e começava a operar a Escola de Frankfurt (1930). Nela, filósofos e cientistas sociais como Horkheimer, Adorno, Marcuse, Fromm, Benjamin, Pollock desenvolveram ideias anticapitalistas e avessas ao comunismo soviético. Seus trabalhos, nas décadas seguintes, foram usados para atacar pelo lado esquerdo as bases da tradição judaico-cristã. Nas bibliotecas universitárias, as obras desses autores estão, ainda hoje, na altura dos olhos de quem percorre suas prateleiras.
Naqueles mesmos anos trágicos da década de 30 do século passado, Antônio Gramsci escreveu os famosos “Cadernos do Cárcere” (1929-1939) na casa de reclusão de Turi onde cumpriu pena até dois dias antes de morrer. Suas anotações revolucionaram as estratégias comunistas, mostrando como a manipulação dos meios culturais permitiria estabelecer a hegemonia de “uma nova forma de consciência” e capturar a ordem política nas sociedades capitalistas. Há 90 anos, portanto, o pensamento revolucionário, totalitário e desumano, já conhecia a importância política da cultura.
Em 1933, a Escola de Frankfurt, fugindo da perseguição nazista, migrou para os Estados Unidos. Certamente por isso aquele país disponibiliza o maior arsenal bélico à guerra cultural contra si mesmo e contra o Ocidente. “Mas e o Brasil?”, perguntará o leitor. Como tenho repetido, a esquerda brasileira “copia, traduz e cola”. Copia do idioma inglês as receitas para desagregação da sociedade e demolição do Ocidente, traduz para o português pelo Google Translator e cola em seus estudos, cartilhas e bibliografias. Serve-se, pois, do mesmo arsenal norte-americano e com ele orienta a produção das narrativas feitas sob medida para a realidade brasileira. Por isso, na falta de mato para carpir, Lula pode dar “aula de narrativas” a Nicolás Maduro.
A insurreição cultural em curso tem gerado no Brasil uma decadência dos padrões de convívio social. Parte essencial de sua estratégia inclui exatamente o combate à beleza, à verdade e às virtudes. Ela exige a degradação do ser humano até sua desumanização, incluindo a bandidolatria, o aborto, a cristofobia, o desamor à pátria, o relativismo moral, a liberação das drogas, etc. Pessoas das quais não se poderia esperar um compromisso com a mistificação repetem narrativas fraudulentas por condicionamento “da nova consciência” imposto pela repetição.
O advento das redes sociais, caóticas por natureza, rompeu a hegemonia da comunicação que se estabelecera no Brasil. Isso criou problemas para a dominação cultural esquerdista que seguia os velhos ensinamentos da Escola de Frankfurt, dos Cadernos do Cárcere e das ações com que Goebbels implantou o conjunto ideológico do nazismo na cultura do povo alemão. Todo o empenho em “regulamentar as redes sociais” quer, mesmo, impor a elas um silenciador, minimizando seu impacto.
A oligarquia que retomou o poder no Brasil depende, fundamentalmente, da Rede Goebbels de narrativas. Ela faz o trabalho cotidiano de bate-bate na mesma tecla que ficaria enfadonho e insuficiente se assumido pelos oligarcas em suas manifestações. Na prática, eles constroem as versões e a Rede, com habilidade e boa técnica, repete em escala nacional não mil, mas milhões de vezes, há décadas, as ideias e narrativas esquerdistas, frankfurtianas e gramscianas, prendendo-nos a um passado tão perverso quanto corrupto.
Os males que disseminam não proporcionam, porém, fundamento estável ao êxito que, por enquanto, comemoram.
Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, e escritor.

domingo, 31 de dezembro de 2023

domingo, 24 de dezembro de 2023

Feliz Natal e um Novo Ano com Felicidades

 

Que neste dia em que comemoramos o nascimento daquele que veio para nos ensinar o bom convívio, consigamos colocar em prática os ensinamentos que Ele nos deixou.
Feliz Natal a todos, e que o Ano Novo de 2024, seja realmente Novo.

sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Ilus Fagundes Ourique Moreira — Centenário de um Líder

Na data de hoje, se vivo fosse, estaria sendo comemorado o centenário do Coronel de Cavalaria Ilus Fagundes Ourique Moreira, nascido em 24 de novembro de 1923 e falecido em 04 de maio de 2002.
Como Tenente-Coronel, ele Comandou o então 2º RRecMec (2º Regimento de Reconhecimento Mecanizado)  de 08 Jul 1969 a 16 Jan 1972, merecendo uma referência especial quanto ao período em que esteve à frente daquela Organização Militar. Comandante exemplar, não comandou, divertiu-se por três anos fazendo o que gostava.
Era idolatrado pelos Soldados. Entre Oficiais e Sargentos havia restrições porque o expediente só encerrava quando TODAS as viaturas utilizadas nos exercícios diários estivessem limpas e recolhidas às garagens.
Sobre sua mesa, no Gabinete de Comando, onde raramente era encontrado por preferir circular pela Unidade, havia uma grande foto do corpo trucidado do Tenente Alberto Mendes Júnior — Oficial da PMSP assassinado em 1970 —, para que ele jamais se esquecesse da missão que se impôs: caçar o desertor Carlos Lamarca e sua quadrilha.
Segundo um sobrinho dele, também Oficial de Cavalaria, o Coronel Ilus foi especialista em treinamentos de combate anti-guerrilha.
Certa vez, recebeu a missão de deter um sujeito acusado de terrorismo, para maiores esclarecimentos. Vestido de padre, para fazer a aproximação ao procurado, levava uma Bíblia na mão, com as páginas recortadas, de modo a caber a pistola .45 dentro. Ele se fazia de padre cego e o sobrinho o conduzia pelo braço como se fosse um sacristão, também com uma Colt sob a batina. Pegaram o sujeito sem maiores problemas.

a. A criação dos PELOPES
No começo de 1970, aproveitou a chegada, ao Regimento que comandava, de dois Aspirantes da AMAN, Ruy e Fleury, ambos Paraquedistas, um com o curso de Comandos, e o outro de Guerra na Selva; e lhes deu a missão de organizar, com seus pelotões, dois Pelotões de Operações Especiais (PelOpEs), um no Primeiro e o outro no Segundo Esquadrão.
Os PelOpEs treinavam na granja do Regimento, local hoje ocupado pelo 3ºBComEx (3º Batalhão de Comunicações do Exército), onde foi criado um pequeno local de instrução especial, com Pista de Reação composta por uma pista de cordas completa, em uma trilha com diversos tipos de obstáculos e armadilhas. Quando prontas as pistas, já em condições de iniciar as instruções, o Comandante perguntou se haviam testado tudo. Recebendo a resposta positiva, foi verificar e testar toda a pista, realizando a passagem por todos os obstáculos.

b. O treinamento diário da tropa
Era comum, antecedendo a Formatura Diária do Regimento, a saída de um ou dois Pelotões que tinham por missão instalar-se no terreno onde, mais tarde algum dos Esquadrões faria exercícios de atividades características de Cavalaria — Reconhecimento de Eixo, Área ou Zona; Segurança Interna, Ações Contraguerrilha, etc.
Um CCL M3A1 Stuart, em exercício. Imagem: Foto - coleção de Ricardo Fann
Os Comandantes de Pelotão evitavam ao máximo realizar exercícios próximos a banhados ou áreas alagadas pois, inopinadamente, o Comandante do Regimento ia verificar como estavam se desenvolvendo as atividades. E, se houvesse um banhado por perto, era certa a determinação para que um carro de combate — na época o Regimento dispunha dos Carros de Combate Leve M3A1, conhecidos como "Pererecas" — fosse encaminhado para o banhado até atolar. Daí em diante, o Comandante se divertia escalando Cabos e Soldados para desatolarem a viatura (na época, praticamente todos os militares da OM tinham conhecimentos básicos para manobrar, não só as "Pererecas", mas TODAS as viaturas operacionais do Regimento). Quando já ninguém tinha esperanças de que a viatura fosse desatolada sem o auxílio do "Brucutu" — apelido do enorme guincho existente na 2ª CiaMéMnt (2ª Companhia Média de Manutenção), então vizinha do Regimento —, o Comandante jogava fora o charuto que permanentemente fumava, entrava no barro e dirigia o M3A1 para fora do lamaçal. Contam que somente em umas duas ou três vezes foi necessário chamar o "Brucutu" para desatolar um carro de combate do Regimento.

c. A "charanga" do Regimento
Ao assumir o comando, constatou que no Regimento só havia um bumbo, um tarol e três clarins para estimular o Regimento nas formaturas. Determinou, então, que se buscassem militares da Unidade que tivessem algum conhecimento musical, para fazerem parte da banda, e obtiveram mais um Cabo e seis Soldados para reforçar a "fanfarra" da Unidade. Logo, apareceu um Cabo que tocava pistom e clarim, além de estudar música. Isso elevou o nível da pequena banda. Com vários instrumentos adquiridos, a fanfarra chegou ao total de 25 componentes, passando a participar da  Parada Diária, com o pessoal que entrava de serviço. O sucesso da fanfarra fez com que passasse a se apresentar em Colégios, Festas de Igreja, e até no Hospital Militar de Porto Alegre.

d. A recuperação "impossível" de um Carro de Combate acidentado 
As viaturas de dotação do Regimento eram, além das cerca de três dezenas de CCL M3A1 — os "tanques" com treze toneladas de peso —; os blindados de transporte de tropa (meia-lagartas e "Scout-Car"), as viaturas anfíbias e os jeeps comuns, mais os veículos administrativos.
O Comandante do Regimento se orgulhava de que, nas comemorações do Dia da Independência, todas as viaturas de sua Unidade participassem do desfile.
Os carros de combate do Regimento, eram de um modelo que fizera sucesso nos desertos no norte da África durante a II Guerra Mundial, por sua capacidade de manobra — maior velocidade e facilidade de mudança de direção —, que dificultava seu enquadramento pelos artilheiros alemães.
Tratava-se de um veículo que dava muito prazer a quem o dirigia — apesar do ruído infernal em seu interior. Na década de 1970, não havia problemas com fornecimento de combustível para os veículos e era muito comum a saída deles para fazer "testes de pista" em ambiente externo, mais como treinamento dos motoristas do que por necessidade de "verificação".
O Comandante incentivava que todos os militares da Unidade soubessem, pelo menos, manobrar todos os tipos de viaturas operacionais orgânicas.
Em meados do mês de agosto, começavam os treinos para o desfile de 7 de Setembro; e em um desfile de treinamento, um Sargento que não era oficialmente habilitado para dirigir os CCL provocou um acidente que danificou o sistema de tração da "perereca" que conduzia.
De volta ao quartel, o Sargento dirigiu-se ao Comandante para relatar o ocorrido e a resposta foi simples, concisa e precisa, ao estilo da Cavalaria: há um problema e devemos resolvê-lo em curto tempo; você é responsável pelo desfile dessa viatura no próximo 7 de setembro. A questão disciplinar, veremos no dia 8.
A mensagem foi muito bem compreendida e o Sargento iniciou a desmontagem da frente do carro de combate para verificar a extensão do dano. Trata-se de uma blindagem com espessura de cerca de duas polegadas de aço, presa por dezenas de parafusos.
Praticamente todo o efetivo da Oficina Regimental uniu-se no trabalho, para ajudar o colega que era muito estimado por todos. Aberta a frente do veículo, foi verificado o problema. As esteiras do CCL eram tracionadas por polias dianteiras e o conjunto mecânico de tração era protegido, sob a blindagem, por um bloco de antimônio.
E um dos braços desse bloco simplesmente havia trincado com a pancada sofrida. Obviamente, esse tipo de bloco não é de fácil reposição; e o antimônio é um metal de dificílima soldagem.
Felizmente, em contato com um grande empresário da cidade, este se dispôs a paralisar os trabalhos de sua empresa — Metalúrgica Gerdau — para realizar o trabalho usando o seu equipamento de usinagem com a devida assessoria técnica.
O reparo na peça ficou perfeito e, o mais importante, completamente gratuito. Novo mutirão de mão-de-obra voluntária de 24 horas diárias para recolocar o conjunto de tração e a blindagem em seu lugar.
Na manhã do dia 5 (ou 6) de setembro, o Sargento estacionou CCL recuperado em frente ao Pavilhão Administrativo do quartel — depois de realizar diversos testes no terreno — e foi apresentar-se ao Comandante.
Este o parabenizou pelo trabalho realizado e pela capacidade de gerar a enorme solidariedade entre seus companheiros, que possibilitou a realização daquele tarefa em tempo inacreditável. E o CCL desfilou com as demais viaturas no Desfile do Dia da Independência.

e. A estreia do uso da Boina Preta no Exército Brasileiro
Em 1971, o Comandante decidiu que o Regimento desfilaria usando boina preta no 7 de Setembro, seguindo a tradição mundial de diversas tropas blindadas. 
Usando recursos próprios da OM (granja, aluguel do campo de futebol, etc.) mandou medir a cabeça de todos da Unidade e confeccionar as novas coberturas de gala. Os Soldados amaram a ideia. 
Já próximo à data do Desfile da Independência, o Escalão Superior (Comando do III Exército) foi avisado da novidade e, naturalmente, vetou a iniciativa, pois boinas pretas não faziam parte dos uniformes regulamentares do EB.
O Cavalariano não se abalou e repetiu (em outro episódio, já dissera isso ao Quatro-Estrelas) que quem mandava no Regimento era ele. E o 2ºRRecMec desfilou com sua tropa orgulhosamente usando boina preta no 7 de setembro de 1971.
Diz a lenda que isso foi o último prego no caixão de sua promoção ao Generalato. Mas o editor guarda com muito carinho a foto com boina preta, sabedor de que aquele desfile da Unidade — que, depois, receberia o nome histórico de "Regimento Marechal José Pessoa"  no Dia da Independência de 1971, inaugurava o uso da peça que hoje orgulha as tropas blindadas brasileiras.

f. Treinamento em Itapuã
Ainda em 1971, o Regimento foi responsável por um treinamento antiterrorismo, sigiloso, para pessoal que não era da Unidade.
Os trabalhos foram executados na região em que atualmente existe a Reserva Ecológica de Itapuã, bem ao sul de Porto Alegre, já no município de Viamão. Foi escalada uma equipe para estabelecer a segurança da área de instrução, particularmente na trilha que dava acesso à Praia de Fora, local das instruções. Era uma tarefa sigilosa. Nada do que ocorreu foi relatado no quartel, mesmo sob a pressão dos Comandantes de Esquadrão.
Na área, durante o dia, os Soldados só ouviam os ruídos. Muitas explosões e tiros. Ao entardecer, os Instrutores e Instruendos retornavam à cidade e a equipe de segurança se acomodava em uma das barracas militares. Em outras, ficava o material: alvos diversos, armas diferentes das que eram usualmente usadas, e os cunhetes com explosivos e munições. O próprio Comandante autorizou que a equipe instalasse alvos e treinasse atirando com os mosquetões e pistolas. Pela manhã, chegava com pacotes de cigarros de presente para a "guarda".
Alguns fatos marcaram o treino: um foi o acidente com uma espoleta, que feriu um dos Instruendos. Ele foi levado ao Pronto Socorro. O problema de explicar o ocorrido, sem revelar a operação de instrução nem a identidade do ferido, foi contornado pela explicação de que se tratava de um mendigo que circulava no acampamento militar em busca de sobras de ração militar, e havia se aproximado de um artefato que explodira. O oficial que havia levado o ferido ao hospital percebeu o olhar de espanto do médico atendente ao ver um anel de graduação do dedo do "mendigo" ferido. O médico pode ter se espantado, mas não ousou questionar o relato.
Outro incidente foi um temporal noturno cuja ventania ameaçava carregar as barracas de lona. Foi uma trabalheira enorme desmontar as barracas e transportar o material mais sujeito a dano pela umidade, para um dos caminhões que permaneciam no local, para suprir alguma necessidade de transporte de emergência. Dormir na carroceria do caminhão, sobre a carga, não foi uma tarefa fácil.
Também ficou na memória um pequeno passeio pela região, acompanhando o Comandante. Em certo momento, uma perdiz alçou seu voo barulhento, e o Tenente-Coronel Ilus, instintivamente, sacou sua pistola e abateu a ave. Completou dizendo para o Soldado Leite, um dos que o acompanhavam: "Vá buscar e não desperdice! Não é todo dia que se pode comer perdiz abatida com 45.".
Ninguém saberia dizer se foi boa pontaria ou sorte do atirador.

g. O atraso do General e a chuva
O General Comandante do então III Exército — hoje Comando Militar do Sul — agendou uma visita ao 2ºRRecMec. Selecionado o efetivo de um Esquadrão para fazer a Guarda de Honra para recepcionar a autoridade, passam alguns dias de treinamento para que não houvesse nenhum contratempo.
Na data aprazada, 07:30 horas, a Guarda de Honra forma ao longo da Av Orleans para receber o Comandante das tropas do Exército de toda a região Sul — Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul —, que deveria chegar às 08:00 horas.
Por seu porte físico, este redator foi escalado para fazer parte da Guarda da Bandeira, grupo destacado que guarnece o deslocamento de um Oficial conduzindo o Pavilhão Nacional nos desfiles.
Por volta das 08:00 horas, cai uma chuvarada e nada do General. Este chega cerca de meia hora depois. Desce da viatura oficial e empertiga-se para receber as honras militares devidas. Toque de clarim, continência coletiva, e o Comandante do Regimento faz a apresentação regulamentar da tropa: "Tenente-Coronel Ilus, apresento-vos a tropa do 2ºRRecMec em forma, pronta". Até aí, tudo bem. E continuaria bem, se o Ten Cel Ilus não tivesse acrescido um adendo à sua apresentação: 
— "se Vossa Excelência tivesse chegado no horário previsto, ou mandasse avisar que iria se atrasar, minha tropa não tomaria um banho desnecessariamente!"
Isto foi dito em alto e bom som — o pessoal da Guarda da Bandeira, em frente a qual acontecia aquilo, ficou estupefato. O General escancarou os olhos, não acreditando no que acabara de ouvir, e só conseguiu balbuciar um tímido pedido de desculpas. E a revista à tropa prosseguiu.

h. As apresentações do Cascavel e do Urutu
O Carro de Combate Sobre Rodas, precursor do EE-9-Cascavel estava, ainda, em sua fase de construção e um protótipo, com canhão 37mm, além de um exemplar do futuro Carro de Transporte de Tropa (Urutu) chegaram ao Regimento, trazido por um Coronel e equipe da Engesa (empresa fabricante). Tratava-se do irmão do Comandante do Regimento, Cel Argos Fagundes Ourique Moreira, Engenheiro Militar, depois General  cujo nome hoje é ostentado como denominação histórica pelo 8º Batalhão Logístico, de Porto Alegre e pelo Centro Tecnológico do Exército, no Rio de Janeiro, do qual foi o primeiro Chefe.
O Ten-Cel Ilus, acompanhou a visita e as demonstrações da nova viatura. Feitas as exibições previstas, no pátio de formaturas da Unidade, o Coronel convidou seu irmão para que os protótipos mostrassem seu desempenho na "pista de provas" da OM — localizada onde hoje se situa o “Parque Residencial Dr Ernesto Di Primio Beck”. Terreno limitado, grosso modo, pelas Avenidas da Serraria, Araranguá e Orleans — onde havia diversos tipos de obstáculos, que era usado na formação dos motoristas do Regimento. Posteriormente, as viaturas experimentais foram levadas até a área do Pontal das Desertas, onde hoje existe a Reserva Florestal de Itapuã, como parte de sua apresentação.
Os protótipos das novas viaturas blindadas não tiveram um desempenho considerado bom pelo Ten-Cel Ilus, que troçava o irmão mais antigo, afirmando que sempre confiaria mais nas "Pererecas" do que naquele "trambolho" sobre rodas.

i. A "fuga" dos terroristas presos
As notícias sobre os crimes cometidos por terroristas membros das diversas quadrilhas que pretendiam implantar uma ditadura comunista no Brasil eram comuns. A capital gaúcha não era tão afetada quanto os grandes centros como Rio de Janeiro e São Paulo, mas houve casos de assaltos a bancos, restaurantes de luxo, tentativa de sequestro do cônsul norte-americano e outros atos aproveitando exatamente o fato de Porto Alegre ser uma das cidades mais discretas no conjunto das capitais. Isto não era tranquilizador. Pelo contrário. Vivia-se a expectativa de que a onda de atentados fosse se afastando do centro do país e migrasse para locais mais calmos. E a tensão dessa expectativa refletia-se na instrução dos militares em geral, até mesmo dos recrutas.
O treinamento para o combate convencional era intenso, mas sempre eram inseridos ensinamentos colhidos sobre guerra irregular, de guerrilhas. As lições aprendidas na guerra do Vietnã, sobre armadilhas, ações de sabotagens e emboscadas da guerrilha eram rapidamente difundidas nos quarteis.
Ficou na memória de muitos a recomendação que um Tenente costumava fazer em suas recomendações ao pessoal da guarda, quando ele estava escalado de serviço: "se algum invasor entrar aqui e conseguir fugir, é bom que os sobreviventes da guarda fujam junto, porque os que eu encontrar, eu mato!"
Pois nesse ambiente pesado, um pequeno grupo de Aspirantes-a-Oficial Temporário se apresentou na Unidade para o Estágio prático. No mesmo dia, um deles foi "escalado" como Auxiliar do Oficial de Dia. 
As instruções do serviço começam e ele assiste o Oficial-de-Dia realizar a inspeção na cela de um dos prisioneiros que cumpria pena no quartel, não sem antes ouvir uma preleção sobre a periculosidade dos encarcerados, condenados por terrorismo. O Tenente efetua a revista pessoal no preso e em seus pertences.
E seguem para a outra cela, onde há dois presos. Eles se posicionam com as mãos na parede na posição para serem inspecionados e o Tenente manda que o Aspirante execute o procedimento que assistiu no xadrez anterior.
O inexperiente jovem começa a verificação em um dos reclusos, mas é rapidamente subjugado pelos cativos, que lhe tomam a pistola que portava e o ameaçam com ela. Os bandidos exigem que lhes entreguem um automóvel para a fuga, ameaçando matar o jovem Aspirante na frente de todos. A gritaria e a balbúrdia se instalam. A guarda não reage para não instigar a iminente execução do jovem aprisionado, que ainda tenta ser valente e grita para que não atendam os bandidos.
Toma uma pancada na cabeça com a pistola e a valentia acaba. Um sedã VW é trazido e os três embarcam. O condenado ao volante arranca rapidamente e toma o rumo da "pista de provas", área de instrução em frente ao quartel, onde "desovam" seu prisioneiro, que volta apavorado para o quartel. No Corpo da Guarda, oficiais e sargentos aguardavam e o encaminharam ao Comandante, para que explicasse como havia facilitado a fuga dos dois criminosos mais perigosos da época. Aquele terror todo durou o resto da manhã, até que revelaram ao grupo de Aspirantes que tudo não havia passado de um "trote" aplicado ao grupo.
Os dois "fugitivos" eram os Tenentes Rui e Fleury. Os outros presos, realmente condenados, já não representavam risco de fuga por já terem reconhecido seu arrependimento pelos erros cometidos e estarem em busca de diminuição de suas penas pelo bom comportamento.
Cabe destacar que, fosse em uma situação real, os presos provavelmente teriam sido fuzilados ainda no Corpo da Guarda, mesmo com o risco do Aspirante refém sofrer algum efeito colateral.

Após deixar o Comando da Unidade, o Coronel Ilus permaneceu em Porto Alegre, indo servir no QG do III Exército. Gostava de visitar o "seu" Regimento. Ia lá almoçar e participar das marchas a pé. As realizava, armado e equipado, deslocando-se à frente da tropa, com o capacete de aço debaixo do braço.
Outros fatos poderiam ser relatados, todavia devem permanecer somente na memória dos envolvidos. Nenhum deles que desmereça a memória do Cel Ilus.
Poucas vezes voltei a encontrar meu Comandante e amigo, uma delas, em 1974, no QG do III Exército, quando fui me aconselhar a respeito da promoção à graduação de Cabo, frustrada por uma decisão questionável do então Comandante da Unidade — dele ouvi uma sábia lição: o Exército, com seus Regulamentos, se é uma Instituição que beira a perfeição, mas é composto por pessoas e estas são sujeitas a falhas. O último contato que tivemos foi no final da década de 1980 quando, já Sargento, fui visitá-lo no escritório da Engesa, em que ele, na Reserva, trabalhava; em um prédio na esquina da Av. Borges de Medeiros com a Rua dos Andradas no centro de Porto Alegre.

Um dia (04 Maio 2002), se foi esse que foi tido como profissional exemplar. Nas palavras de seu sobrinho: em solitária e pacífica morte súbita, na abençoada morte rápida, tomando banho. Morreu, fazendo da morte uma surpresa. Coisa bem típica de Cavalaria, pegando todo mundo "pelo flanco".

Alguns dias antes do seu falecimento, telefonara para o sobrinho, também Oficial de Cavalaria. Já idoso e viúvo, disse que tinha algumas armas em casa e gostava de treinar atirando com arma de pressão, dentro da própria residência, em alvos que montava no corredor do imóvel.
Um grande exemplo de militar que soube guardar e seguir as tradições do Marechal Osório.